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  • Margarida

Moda | É errado continuar a comprar?


A viver uma crise mundial sem precedentes, em que nos sentimos mais ansiosos do que o habitual quando pensamos no futuro, uma das questões que se tem levantado no âmbito do consumo e, em especial, no universo da Moda é de que forma está a crise a impactar os nossos hábitos de consumo e a forma como pensamos. Vamos realmente re-pensar a nossa posição e consumir de forma mais responsável? É errado continuar a pensar em consumir moda?

 

Muito se fala do caso da China e do comportamento de revenge spending assim que foram levantadas as restrições de isolamento profilático obrigatório. Mas até que ponto devemos considerar este exemplo e transportá-lo à realidade europeia, ou ainda assumir este comportamento como trend mundial?


No contexto Moda, há alguns dias questionei via Instagram se ficavam animados ou desanimados por poder comprar (para recuperar o tempo perdido) no pós-pandemia. A resposta foi de uns esmagadores 72% de desanimados VS 28% de seguidores que se sentiam animados pela notícia (hipotética).


Mas é curioso como, mais à frente, quando se questiona acerca de compras em moda nos próximos meses, há 68% que nos dizem que "Já andam a espreitar", enquanto 32% mantêm a coerência (face à primeira questão) e dizem que não é algo que lhes passe pela cabeça. Desconstruímos este raciocínio?


Podemos separar os inquiridos em vários blocos (segundo pude apurar ao analisar cada resposta aberta e alguns feedbacks):

1 - Nada vai mudar: os que acreditam que temos a memória curta e, portanto, será uma questão de meses até voltarmos aos velhos hábitos de consumo.

2 - Crentes na mudança: os que responderam de forma coerente e que acreditam que algo irá certamente mudar no comportamento de consumo, por diversos motivos sócio-económicos.

3 - Crentes na mudança com um comportamento desajustado: consideram que algo poderá mudar, porém as suas atitudes não acompanham o seu racional.

4 - Indecisos: os que não têm uma opinião formada sobre o assunto e que estão verdadeiramente divididos entre pensamentos. Não é por acaso também que esta foi a pergunta menos respondida do mini-questionário.


Não considero condenável a pequena percentagem que se anima com a possibilidade de podermos voltar a sair para comprar moda: isso pode significar que a nossa economia está de pé. Que podemos contribuir para que o desemprego não suba em flecha (refiro-me a este setor especificamente, sem menosprezar qualquer outro). Porém, também acredito que para ser verdadeiramente animador, teremos que o vir a fazer de forma mais ponderada, responsável e com o sentido de comunidade mais ativo do que nunca. E penso que seja nesta linha de raciocínio que surgem as respostas de desânimo: afinal, todos queremos viver num planeta mais honesto, mais responsável e desacelerar o ritmo alucinante que põe em causa a sustentabilidade das gerações futuras, e do nosso planeta. O contexto faz parecer errado pensar em bens de segunda necessidade.

Ainda que 37% dos inquiridos tenha dúvidas de que os hábitos de consumo venham realmente a mudar (vejam algumas razões nas imagens abaixo), a verdade é que a maioria acredita que sim, e este poderá ser o momento de turnover que há muito esperávamos. As tendências que remetem para consumidores mais ligados ao planeta, mais conscientes das suas escolhas (com matrizes diferentes) a fazer compras mais racionais e menos impulsivas, que procuram conveniência mas ainda assim ligados à conexão emocional das marcas, começam agora forçosamente a acontecer: a pandemia veio acelerar o processo que (atenção!) levará o seu tempo, e obrigou a uma introspeção tanto ao nível pessoal, como das próprias marcas.


Estamos no meio de uma encruzilhada moral que origina um sem fim de discussões; quem tem determinado poder de aquisição deve - mesmo em contexto adverso - continuar a comprar o que não é essencial? E ainda dentro do mesmo tema, devemos investir em negócios locais e ignorar outras empresas? A verdade é que todos os negócios estão a ser impactados pela incerteza e pela crise. Há dias, enquanto revi pela 12736 vez O Diabo Veste Prada (2006), e voltei a escutar o monólogo da Miranda Priestly acerca da mítica camisola "azul", voltei a confrontar-me sobre como a moda é efetivamente o resultado do trabalho de milhões de pessoas e é necessário respeitar a história de cada peça e o trabalho de cada um na cadeia.



Compreendo também o dilema e o sentimento de culpa que possamos sentir ao pensar em fazer uma compra de um bem que não é essencial. Faz sentido gastar dinheiro em algo que não é verdadeiramente necessário? A resposta estará invariavelmente dentro de cada um, e não há julgamento do que é certo ou errado. Mas importa destacar dois pontos: o primeiro é que devemos alinhar as nossas compras com os nossos propósitos, e alinhá-los também com os propósitos da marca em que estamos a investir; mais do que nunca as nossas escolhas devem ser responsáveis e conscientes. E em segundo, é importante relembrar o que destaquei no parágrafo anterior; por detrás de qualquer peça de roupa, existem ideias e execução, e assumindo que o planeta Terra beneficie (e muito) com o desaceleramento da cadeia de produção, com coleções (e ideias) mais sustentáveis e com maior foco na circularidade, é importante pensar nas consequências sócio-económicas deste abrandamento.


Para concluir, é importante compreender que falar de moda não tem que ser fútil; não é insensível querer vender (ou comprar). O momento é delicado, mas há milhares de pessoas dependentes deste ciclo para sobreviver. Tudo na medida da responsabilidade de cada um, seja para ajudar quem precisa ou estimular a auto-estima - num momento em que a saúde mental é um ponto importante da equação. Não há problema em comprar algo novo para usar depois, podemos continuar a ler revistas de moda e a manter-nos a par da atualidade e das tendências. Acima de tudo é importante podermos continuar a ter opção de escolha, e encontrar o equilíbrio para que nos possamos manter positivos e conscientes de que o futuro nunca dependeu tanto de todos e de cada um.

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